11/09/2024
Chicago é puro design
Chicago é uma grande história de superação. Tudo parecia perdido depois que um incêndio destruiu boa parte da cidade em 1871. Reconstruída anos depois, Chicago tornou-se uma das cidades mais lindas dos Estados Unidos. Tudo isso graças ao time de arquitetos de renome, como Frank Lloyd Wright, que trouxe equilíbrio e homogeneidade aos prédios da “nova” cidade. A revolução foi tanta que Chicago viu nascer sua própria escola de arquitetura – não uma instituição de ensino literal, mas um estilo próprio, que preconizava a alvenaria no lugar da madeira. Numa segunda etapa, materiais como aço e vidro vieram se juntar aos projetos, resultando em edifícios cada vez mais altos, que agora definem o horizonte da Chicago moderna. Caminhar pela região central é praticamente um tropeço atrás do outro, porque é impossível não ficar olhando o tempo todo para cima, para os lados, para trás – há muita beleza para tirar nosso foco do caminho à frente. Cada construção encanta com sua própria personalidade, mas todas juntas compõem um conjunto harmonioso. Esse cenário, totalmente urbano, ganha boas doses de encantamento por ficar à beira do Lago Michigan, o maior dos Estados Unidos, e ser cortado pelo Rio Chicago, que, em dias ensolarados, assume tons de verde incríveis. Às margens deste último, foi inaugurado há poucos anos o Riverwalk, um calçadão de dois quilômetros que incorpora ainda mais o rio à vida da cidade, pontilhado de bares e restaurantes que fervilham no verão, como o City Winery. Dá até para alugar um caiaque e remar pelas águas do Chicago. É interessante ter um pouco desse conhecimento prévio antes de explorar a cidade, porque, assim, tudo parece fazer mais sentido. Por isso, começar a viagem visitando o Chicago Architecture Center (CAC) pode ser uma boa. Sua localização, por si só, já é um cartão de visitas, em um dos cruzamentos mais emblemáticos da cidade: à beira do rio e junto à ponte DuSable, ao redor da qual resplandecem edifícios inconfundíveis, como o Wringley Building, a Tribune Tower e a loja-conceito da Apple. O CAC se dedica a contar a história arquitetônica de Chicago, com exibições multimídia e painéis informativos sobre os bairros, os principais arquitetos ao longo dos anos e as obras em andamento hoje em dia. No primeiro andar, o destaque é a grande maquete que reproduz 5% da área urbana de Chicago, com mais de 4 mil construções feitas em impressora 3-D. Ali dá para ter uma boa noção de como a cidade se distribui em volta do Lago Michigan e de como o Rio Chicago a corta. Recursos interativos iluminam os prédios mais famosos, com um simples apertar de botões. E há também uma reprodução de como o incêndio de 1871 foi se alastrando a partir de um estábulo de madeira (diz a lenda que uma vaca teria derrubado uma lanterna, causando dois dias de fogo e cerca de 300 mortes em um verão anormalmente seco e quente). No segundo andar, fica uma galeria com mais de 20 modelos de prédios icônicos da cidade e do mundo. No CAC é possível agendar tours para explorar a cidade, seja a pé, de ônibus ou de barco. Esta última opção é bastante interessante, pois percorre três braços do rio longo de uma hora e meia, revelando ângulos escandalosos dos arranha-céus Willis Tower e John Hancock Center. Protagonista da arquitetura local, essa dupla corresponde ao próximo passo de um roteiro redondo pela cidade. Depois de absorver um pouco de contexto histórico, ver a cidade de cima lhe confere uma magnitude mais prática. E ambos os prédios ostentam mirantes altíssimos, cada um com seu próprio diferencial. Da década de 1970, a Willis Tower (antiga Sears) foi o prédio mais alto dos Estados Unidos, com seus 442 metros, até a inauguração do novo One World Trade Center, em Nova York. Seu observatório, o Skydeck, passou recentemente por uma renovação admirável, que transformou a fila em uma experiência em si. Antes de pegar o elevador que leva ao 103º andar, o visitante mergulha na história, na cultura e nas curiosidades de Chicago, por meio de instalações interativas e instagramáveis. Uma delas aborda arquitetura local (sempre ela), incluindo a maquete de um apartamento no Marina City, curiosa dupla de prédios em formato circular. A comida típica também tem vez, com direito a uma deep dish pizza gigante (falaremos dela adiante), além das personalidades que fizeram história em Chicago, como Michael Jordan, Oprah Winfrey e o casal Obama. Uma vez lá em cima, o destaque fica por conta do The Ledge, cabines inteiras de vidro e projetadas para fora do prédio – você olha para baixo e vê toda a cidade sob seus pés, o que garante boas doses de frio na barriga e de fotos incríveis. Há filas à parte para pisar na atração, com tempo cronometrado para ficar ali, dependendo da quantidade de visitantes. Apesar de ser o período de maior espera, ver dali o pôr do sol e depois a cidade se iluminando conforme anoitece é um desbunde. Ou então do John Hancock Center, o quarto prédio mais alto da cidade. A torre preta com um par de antenas no topo também é dona de seu próprio mirante, o 360 Chicago, no 94º andar. Além de sair ligeiramente à frente no quesito “vista panorâmica mais bonita” (por estar mais próximo ao lago), o observatório também tem sua própria atração com adrenalina. Pago à parte, o Tilt é uma plataforma de vidro que inclina lentamente até ficar 30 graus para fora do prédio, deixando o visitante quase de cara para o chão lá embaixo. Uma verdadeira obra conjunta de arquitetura com tecnologia. **A vida ao redor do lago ** Um bom jeito de ver o skyline de Chicago é navegando pelo Lago Michigan. Exclusivos, os veleiros da empresa Come Sailing fazem passeios privativos de duas horas (comesailing.us). Eles saem do Monroe Harbor e vão contornando a orla até o Navy Pier, complexo de entretenimento com apelo familiar que reúne restaurantes, parque de diversões, cinema, teatro, beer garden e o Museu das Crianças. Do Navy Pier saem tours de barco mais econômicos, podendo incluir refeições a bordo (navypier.org/cruises-and-tours). E, no verão, ainda dá para aproveitar o lago de outra forma: nas cerca de 25 praias com areia de verdade, espalhadas ao longo de 40 km de costa. Entre as mais populares, estão a North Avenue Beach e a Oak Street Beach, próximas à zona turística. **Arte em toda parte** Descendo pela Michigan Avenue surge um ícone de Chicago: o Millenium Park. Mais que o pulmão verde da cidade, o parque é conhecido pela enorme escultura Cloud Gate, que, por conta do seu formato de feijão, ganhou o apelido The Bean. Assinada pelo artista Anish Kapoor, ela tem 110 toneladas e sua superfície em aço inoxidável reflete o céu e os prédios ao redor, rendendo alguns dos cliques mais famosos da cidade. O desafio ali são dois: encontrar sua própria imagem refletida no espelhão e conseguir um pedacinho sem ninguém para tirar uma foto. Outra instalação artística no Millenium Park é a Crown Fountain, videoescultura formada por um espelho d’água e duas torres estampadas com imagens do rosto de moradores reais da cidade – que, de tempos em tempos, parecem espirrar água pela boca. No parque fica também o Jay Pritzker Pavilion, concha acústica projetada pelo arquiteto Frank Gehry, que sedia shows, apresentações cênicas, projeção de filmes e festivais de música (como o Chicago Jazz Festival) no verão, sempre gratuitos. Já no inverno, o Millenium ganha uma pista de patinação no gelo com acesso igualmente grátis e empréstimo de patins – basta fazer a reserva on-line antes. Arte, como já deu para ver, é uma força motriz de Chicago, e seu principal expoente está bem ao lado do Millenium Park. Basta atravessar a rua, ou uma passarela suspensa, para chegar ao Art Institute of Chicago, fundado em 1879 e hoje entre os maiores museus do país. Coroada por dois imponentes leões de bronze na fachada de estilo clássico, a sede original ganhou reforço há cerca de dez anos com um anexo moderno, desenhado pelo arquiteto italiano Renzo Piano. Programa para um dia inteiro, se feito sem pressa, o conjunto se desdobra em um delicioso labirinto de seções temáticas, onde estão expostas cerca de 300 mil peças. É um deleite a ala de arte impressionista, com obras de Monet, Renoir, Degas e Manet. A parte moderna e contemporânea também dá show, com trabalhos de Picasso, Van Gogh, Salvador Dalí e Andy Warhol. Arte islâmica, asiática, têxtil, americana e clássica são outros temas muito bem cobertos. Destaque ainda para a curiosa e interessante coleção de cenários em miniatura, que reproduzem detalhadamente aposentos residenciais de diversas épocas e lugares do mundo. Outro endereço imperdível é o Museum of Contemporary Art (MCA), que sediou a primeira exposição de Frida Kahlo nos Estados Unidos. Dedicado à arte contemporânea, o acervo tem cerca de 2.500 peças, produzidas desde a década de 1920. As exposições temporárias costumam cobrir todo formato de arte, inclusive os pouco convencionais, desde pinturas em tela até obras com óculos de realidade virtual. O Marisol, restaurante do museu, está funcionando com cardápio e espaço reduzidos para refeições rápidas, mas, antes da pandemia, costumava ser um prato cheio para o brunch de domingo. Para ver arte, porém, não é preciso ir a museus. As ruas da cidade também servem de palco para obras públicas a céu aberto, especialmente na região do Loop. Na Brunswick Plaza, por exemplo, fica a Miró’s Chicago, escultura de uma mulher com aço, concreto, bronze e cerâmica, encomendada ao artista catalão Joan Miró, em 1981. A 200 metros dali, na Chase Tower Plaza, um bloco de concreto ostenta o mosaico Four Seasons, de Marc Chagall. Picasso, por sua vez, surge com uma escultura sem nome nesse mesmo perímetro, na Daley Plaza. **Sabores democráticos** Seja na alta gastronomia, nos lanches de rua ou nos chamados food halls, Chicago brilha talvez como nenhuma outra cidade americana quando o assunto é comida – tanto que constantemente é descrita como a “capital da gastronomia”, seja do Meio Oeste dos Estados Unidos ou mesmo do mundo. E ela brilha mesmo: são 20 restaurantes agraciados com estrelas pelo Guia Michelin, sendo um com a pontuação máxima, o Alinea. Nele, o chef Grant Achatz flerta com a gastronomia contemporânea, criando menus degustação que parecem obras de arte coloridas e ornamentadas. Mas Chicago é democrática e certamente o viajante consegue provar o que há de mais típico na cidade. Começando com a famosa deep dish pizza, que mais parece uma torta, com borda bem alta e super-recheada com queijo derretido e molho de tomate em pedaços. Em meio à oferta onipresente, dois restaurantes brigam pelo topo do pódio: o Lou Malnati’s e o Giordano’s. O primeiro, de 1971, sai à frente alegando ser detentor da receita original, com massa amanteigada atraindo turistas e locais a suas várias filiais pela cidade. Mas aí entra na jogada a Uno Pizzeria, de 1943, que clama para si o posto de “berço da deep dish pizza”, já que o patriarca dos Malnati trabalhava lá quando a receita foi criada por Ike Sewell. Em suma: é o tipo de polêmica saborosa que, no fim, acaba em pizza. Ainda bem! Polêmica tempera também outra iguaria local, o cachorro-quente ao estilo de Chicago, que é servido em várias barraquinhas de rua, como as do Millenium Park, e em lanchonetes como a Portillo’s. Por definição, o hot dog aqui deve levar sete ingredientes: salsicha bovina, picles, sal de aipo, pimenta-verde, cebola, mostarda e tomate no pão com sementes de papoula. E aí entra a controvérsia: nada de colocar ketchup! O costume, tão popular no resto dos Estados Unidos e no mundo, é uma verdadeira afronta à etiqueta local. Ainda falando em sanduíches, outra especialidade a ser provada por aqui é o Italian beef, que parece a nossa boa e velha carne louca – pão com carne desfiada e pimentão – e que pode ser provada em lugares como o Jay’s Beef. Por fim, fazem sucesso as pipocas Garrett, nascidas na cidade e com lojas no mundo inteiro. São vários sabores, mas o mais famoso é o de cheddar com caramelo. Uma delícia que é a cara de Chicago!
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